A leitura atenta e o estudo continuado das obras fundamentais do Espiritismo sempre renovam nossa oportunidade de aprender. Dá a impressão, inclusive, de que estamos diante de um conteúdo inédito, quando nos certificamos, após algum tempo, de que já o havíamos lido anteriormente. Isso decorre, em nosso entendimento, de duas razões principais: a constante atualização dos conteúdos doutrinários expostos na obra básica da Codificação Espírita, isto é, o conteúdo espírita organizado na obra kardequiana foi, é e continua sendo atual; e a oportuna necessidade de atualizarmos nosso entendimento acerca da mensagem evangélica pelo salutar hábito do estudo, ou seja, precisamos “atualizar’ nossa ignorância, buscando novos conhecimentos, cujos assentamentos encontram-se, sem exceção, nas inamovíveis bases definidas no arcabouço doutrinário.
As orientações seguras advindas da Espiritualidade Superior nos recomendam, inclusive, que dediquemos pelo menos 15 minutos diariamente para a leitura de alguma obra escrita sob a responsabilidade de Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita.
Esse contato diário com a obra básica, integrada pelo Pentateuco Kardequiano (O livro dos Espíritos, O livro dos médiuns, O evangelho segundo o Espiritismo, O céu e o inferno e A gênese), somando-se Obras póstumas, O que é o Espiritismo e a extraordinária Revista Espírita (1858-1869), certamente nos colocará a par da sabedoria espiritual e da genialidade de Kardec ao ensejar que tais ensinamentos renovadores fossem materializados na Terra para acesso de todos nós, trabalhadores e aprendizes da última hora.
O estudo possibilita ampliar a visão e o entendimento, a reflexão e a prática, sobre tudo o que nos sensibiliza as percepções, dilatando gradativamente a nossa capacidade de compreensão, a zona lúcida, conforme expressão do estudioso francês Paul Gibier.
O estudo espírita pode ser individual, num processo persistente de autodesenvolvimento, e coletivo, quando nos predispomos a integrar algum grupo interessado em propósitos semelhantes de se reunir e aprender, pelo compartilhamento de lições e experiências.
Ambas as tipologias de estudo, individual e coletivo, exigem planejamento, disciplina e organização do proponente ao aprendizado.
Para o estudo individual, alimentemo-nos de boa vontade, separemos um tempo diário de pelo menos 15 minutos, e iniciemos com o propósito firme de ir adiante. No início, há que se vencer algumas resistências naturais. Depois, torna-se mais fácil.
Para o estudo em grupo, as casas espíritas ofertam várias possibilidades, aproveitando-se do material de excelente qualidade disponibilizado ao movimento espírita pela FEB. São os programas do Estudo Sistematizado, do Estudo Aprofundado, do Estudo e Prática da Mediunidade, de cursos específicos sobre as obras da Codificação e de algumas publicações subsidiárias.
Oportunidades de estudo e aprendizado não faltam. O que às vezes falta é nossa boa vontade de estudar e aprender.
Que tal enriquecermos nossa trajetória presente, aproveitando a oportunidade de educação espiritual, propondo-nos à efetiva renovação íntima pelo exercício dos magnos mandamentos recomendados pelo Espírito de Verdade: amai-vos e intruí-vos?!
Referências:
GIBIER, Paul. Análise das coisas: ensaio sobre a ciência futura e sua influência certa sobre religiões, filosofias, ciências e artes. Trad. de T. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. cap. 2.
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. de Evandro Noleto. 2. ed. de bolso, 1. imp. Brasília: FEB, 2016. cap. 6, it. 5.
Emmanuel afirma: “O Espiritismo, na sua missão de Consolador, é o amparo do mundo neste século de declives da sua História; só ele pode, na sua feição de Cristianismo redivivo, salvar as religiões que se apagam entre os choques da força e da ambição, do egoísmo e do domínio, apontando ao homem os seus verdadeiros caminhos.[…].”[1] E acrescenta,:
Em todos os tempos surgem no mundo grandes Espíritos que manejam a palavra, impressionando multidões; entretanto, falam em âmbito circunscrito, ainda quando se façam ouvidos em vários continentes.
[…]
A palavra de Jesus, no entanto, transcende lavores artísticos, joias literárias, plataformas políticas, postulados filosóficos, fórmulas estanques. Dirige-se a todas as criaturas da Terra, com absoluta oportunidade, estejam elas nesse ou naquele campo de evolução.
É por isso que a Doutrina Espírita a reflete, não por mera reforma dos conceitos superficiais do movimento religioso, à maneira de quem desmontasse antigo prédio para dar disposição diferente aos materiais que o integram, em novo edifício destinado a simples efeitos exteriores.
Os ensinamentos do Mestre, nos princípios espíritas-cristãos, constituem sistema renovador, indicação de caminho, roteiro de ação, diretriz no aperfeiçoamento de cada ser [2]
O certo é que temos adiado, em muito, a oportunidade de conhecer, meditar, sentir e vivenciar a mensagem do Cristo,[3] como informa Alcíone, sábia personagem de Renúncia, livro de Emmanuel, transmitido pela mediunidade de Chico Xavier. Sendo assim, estejamos atentos a este esclarecimento do benfeitor espiritual: “Mas é chegado o tempo de um reajustamento de todos os valores humanos. Se as dolorosas expiações coletivas preludiam a época dos últimos ”ais” do Apocalipse, a espiritualidade tem de penetrar as realizações do homem físico, conduzindo-as para o bem de toda a Humanidade.”[4]
Em O Evangelho segundo o Espiritismo consta: “Muitos pontos do Evangelho, da Bíblia e dos autores sacros em geral só são ininteligíveis, parecendo alguns até irracionais, por falta da chave que nos faculte compreender o seu verdadeiro sentido. Essa chave está completa no Espiritismo, como já puderam convencer-se os que o estudaram seriamente, e como todos o reconhecerão melhor ainda, mais tarde.[…]”[5] A chave para analisar a mensagem do Cristo, em espírito e verdade, como orienta Allan Kardec é o Espiritismo:
Se o Cristo não pôde desenvolver o seu ensino de maneira completa, é que faltavam aos homens conhecimentos que eles só podiam adquirir com o tempo e sem os quais não o compreenderiam; há muitas coisas que teriam parecido absurdas no estado dos conhecimentos de então. completar o seu ensino deve entender-se no sentido de explicar e desenvolver, e não no de juntar-lhe verdades novas, porque tudo nele se encontra em estado de germe, faltando-lhe somente a chave para se apreender o sentido de suas palavras.[6]
Existem no mundo inúmeras interpretações da mensagem de Jesus, a maioria subordinada às teologias das igrejas cristãs, às suas práticas de culto externo ou dogmas definidos pela tradição ou pelas políticas clericais, ao longo da história. Tal constatação indica que o estudo da mensagem cristã abrange mais o aspecto literal, o da letra, relegando a planos secundários a essência dos ensinamentos de Cristo. Neste contexto, há estudiosos sérios que, ao se debruçarem sobre o assunto, enfatizam o aspecto histórico-cultural (Jesus Histórico) ou a análise espiritual do Evangelho que extrapola as dimensões temporais e histórico-culturais dos textos e das interpretações literais ou simbólicas.
O termo Jesus histórico refere-se a uma tentativa de reconstruções acadêmica do século I da figura de Jesus de Nazaré. Estas reconstruções são baseadas em métodos históricos, incluindo a análise crítica dos evangelhos canônicos[7] como a principal fonte para sua biografia, juntamente com a consideração do contexto histórico e cultural em que Jesus viveu.
A pesquisa sobre o Jesus histórico teve início no século XVIII e se desenvolveu, até os nossos dias, em três ondas, preocupadas em reconstruir os fatos históricos e a pessoa humana de Jesus, que ficavam como que escondidos atrás das afirmações dogmáticas e de fé das Igrejas.
Tal busca teve como premissa uma mentalidade racionalista, que acredita poder reconstruir a verdade histórica relacionada a Jesus por meio da razão, e foi impulsionada pela descoberta da estratificação e fragmentação dos textos bíblicos e sua consequente classificação. Um aspecto fundamental dessa busca é tentar inserir Jesus no contexto histórico-sociocultural do judaísmo do século I na Palestina por meio do estudo de fontes canônicas, apócrifas[8] e pseudoepígrafas[9], que lançaram novas luzes sobre a complexidade da religião e da sociedade judaica daquela época.
A busca pelo Jesus histórico se apoia na literatura bíblica e extra bíblica do século I; nas descobertas arqueológicas e nos estudos sociológicos e historiográficos, para reconstruir e entender o contexto histórico, sociológico e religioso do tempo de Jesus, tentando entender e imaginar o impacto de sua pessoa e de sua mensagem dentro deste mesmo contexto, portanto, parte-se do pressuposto que Jesus deve ser lido dentro do contexto da Galileia daquela época. [10]
Para compreender os fundamentos das lições de Jesus, à luz do entendimento espírita, faz-se necessário conhecer os princípios básicos da Doutrina Espírita, a fim de utilizá-los como chave interpretativa. Caso contrário, permaneceremos nas posições dogmáticas e literais ou nas meramente opinativas.
Os princípios básicos do Espiritismo, nomeados por Allan Kardec como aos pontos mais importantes, estão indicados em O Livro dos Espíritos, Introdução VI. São orientações que o espírita precisa conhecer de forma mais aprofundada e que se encontram citados não só na primeira obra da Codificação, ora citada, mas explicados nas demais (O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese. Os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo).
Os programas de estudos regulares da Doutrina Espírita, como ESDE (Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita), EADE (Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita) e MEP (Mediunidade – Estudo e Prática) analisam em detalhes os pontos principais do Espiritismo que, resumidamente, são os que se seguem.
Deus, Pai e Criador; Jesus, Guia e Modelo da Humanidade terrestre; Espírito, ser imortal, existente, pré-existente e sobrevivente à morte do corpo físico; Perispírito, organização estrutural do ser humano e dos animais; Livre-arbítrio e Lei de Causa e Efeito, processos que governam a liberdade e consequências das escolhas humanas; Evolução, mecanismo divino que determina o progresso intelectual e moral do Espírito; Encarnação e Reencarnação; mecanismos reguladores da evolução do Espírito; Pluralidade dos Mundos Habitados, princípio doutrinário espírita que esclarece a respeito das categorias evolutivas dos mundos habitados no Universo: primitivos, de expiação e provas, de regeneração, felizes e divinos; Plano Espiritual, que trata das condições da vida do Espírito imortal na dimensão extrafísica da vida; Influência e Comunicabilidade dos Espíritos, revelam as ações do Espíritos sobre o plano físico e a mediunidade, faculdade de comunicabilidade da mente humana.
A proposta de estudar os textos do Evangelho, inseridos nos 27 livros do Novo Testamento, à luz do Espiritismo, é a de realizar estudo metódico, sério, continuado, partindo-se do simples para o complexo, porém mantendo o permanente cuidado de não confundir o símbolo com o ensinamento essencial da mensagem. Tal metodologia amplia a aprendizagem do assunto e orienta o comportamento do espírita, visto que a mensagem do Cristo é o código moral de conduta por excelência.
[1] XAVIER, F.C. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. Cap. 25, p. 201.
[2] Idem. Palavras de vida eterna. Pelo Espírito Emmanuel. Cap. 118, p. 251-252.
[3] XAVIER, F.C.. Renúncia. Pelo Espírito Emmanuel. Parte 2, cap. III, p. 328.
[4]Idem. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. Cap. 25, p. 201.
[5] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. Introdução, p.14-15,
[6] Idem. A gênese. Os milagres e as predições segundo o espiritismo. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. Cap. I, item 28, p.26.
[7] Evangelhos canônicos: referem aos textos de Mateus, Marcos, Lucas e João, considerados para a maioria das igrejas cristãs como os legítimos e que foram diretamente inspirados por Deus. Integrados ao Novo Testamento, constituem o seu Cânon (do grego, régua ou vara de medir), possivelmente a partir de 150 anos d.C. Os livros canônicos não podem ser removidos ou acrescentados.
[8] Fontes apócrifas, pseudocanônicas ou ocultas: são livros escritos por comunidades cristãs (NT) e pré-cristãs (AT), não reconhecidos pelas igrejas cristãs e que se encontram excluídos do cânon bíblico. A definição de um livro como apócrifo varia de acordo com a religião: há livros considerados apócrifos pela igreja católica, mas que não são para o judaísmo, e vice-versa.
[9] Fontes pseudoepígrafas: são textos antigos aos quais são atribuídos falsa autoria.
[10] Jesus Histórico: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jesus_hist%C3%B3rico
Copyright © 2024 Seara Espírita São Francisco de Assis – Todos os direitos reservados.